domingo, 11 de janeiro de 2009

Namorados


Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namoro de verdade é
muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, de saliva, lágrima, nuvem,
quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil.
Mas, namorado, mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito,
mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente
treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa
ser parruda, decidida ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de
aflição. Quem não tem namorado, não é que não tem um amor: é quem não sabe o
gosto de namorar. Se você tem pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e
dois amantes, mesmo assim pode não ter um namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas,
medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho. Não tem namorado quem
transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa
é quem ama sem alegria. Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a
infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida,
fugida ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas: de carinho escondido na
hora em que passa o filme: de flor catada no muro e entregue de repente, de poesia
de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar, de
gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; de ânsia enorme de viajar
junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico
ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer cesta abraçado, fazer
compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar
horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de
alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria
e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira d'agua, show do Milton
Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos e musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros,
quem não recorta artigos, quem não chateia com o fato de o seu bem ser paquerado. Não
tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana,
na madrugada ou meio-dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem
ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz
sexo sem esperar o outro ir junto com ele. Não tem namorado quem confunde solidão com
ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo,
e quem tem medo de ser afetivo. Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor
é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e de medo, ponha a saia mais leve,
aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras,
e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada, e coração estouvado,
saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e
sorria lírios para quem passe debaixo da janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como
se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uam névoa de borboletas,
cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteira: Se
você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer
a vida parar e de repente parecer que faz sentido. Enlou-cresça.

Carlos Drummond de Andrade


Ps.: Enviado via coment pelo Edimar Filho,ótimo relembrar,típico de dia dos namorados,mas como ainda esta distante,de tão lindo,ai está,muitissimo antecipado.

17 comentários:

Anônimo disse...

O Amor de Carlos Drummond de Andrade (aiii)
Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar
por alguns segundos, preste atenção.
Pode ser a pessoa mais
importante
da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e neste momento houver o mesmo brilho
intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando
desde o dia
em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante e os
olhos
encherem d'água neste momento, perceba: existe algo mágico entre
vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do dia for essa pessoa, se a
vontade
de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou
um
presente divino: o amor.

Se um dia tiver que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em
troca
receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos
valerem mais
que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.

Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira
e a
outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e
enxugá-las
com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em
qualquer momento de sua vida.

Se você conseguir em pensamento sentir o cheiro da pessoa como se
ela
estivesse ali do seu lado... se você achar a pessoa maravilhosamente
linda,
mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos
emaranhados...

Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo
encontro que
está marcado para a noite... se você não consegue imaginar, de
maneira
nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...

Se você tiver a certeza que vai ver a pessoa envelhecendo e, mesmo
assim,
tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela... se você ~
preferir morrer
antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou
na sua vida.
É uma dádiva.

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam
ou
encontram um amor verdadeiro. Ou às vezes encontram e por não
prestarem
atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo
acontecer
verdadeiramente.

É o livre-arbítrio. Por isso preste atenção nos sinais, não deixe que as loucuras
do dia a dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o
amor.

Autor: Carlos Drummond de Andrade

Anônimo disse...

Isso pq NÓS admiramos Carlos Drummond de Andrade.

PRA VC APRECIAR.

Anônimo disse...

perfeito!!!

através da metalinguistica de drummond, a criadora deste blog utilizou-se de uma otica comtemporanea para chegar ao fundo desta edição!!!


Tah massa véi!!!!

Cleyton Cabral disse...

Volte sempre. Ah, lindo texto...

Unknown disse...

rsrs... ter namorado é bom, mas da maneira que Drumond escreve, ter namorado é maravilhoso.
Voltarei mais vez aqui
Beijos e obrigada pela visita, volte mais vezes.

Daniel Cisneiros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Àna disse...

:)

Retribuindo sua visita e seu comentário!! Aprecie à vontade, viu? Dei uma parada nas postagens do meu blog, mas foi muito gostoso fazer aquele espacinho, fiz com muito carinho, espero que vc se identifique com ele. Eu me identifiquei muito com o seu! Adorei os textos! Virei apreciá-los mais vezes!

Àna disse...

Mais uma do Drummond e dos namorados:
"Aos namorados do Brasil"

Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado algum escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
que eles não saibam, eles que transformam
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem ,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só vêem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?

Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados. Antes, depois
são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez
voltará à sublime invalidez
que é signo de perfeição interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP,INPS.

Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa batalha.

Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.
De ser o seu cadáver itinerante.
De não ser. De estar, e nem estar.

O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.

A mulher antes e depois da Bíblia
é pois enciclopédia natural
ciência infusa, inconciente, infensa a testes,
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo.

Só a mulher (como explicar?)
entende certas coisas
que não são para entender. São para aspirar
como essência, ou nem assim. Elas aspiram
o segredo do mundo.

Há homens que se cansam depressa de namorar,
outros que são infiéis à namorada.
Pobre de quem não aprendeu direito,
ai de quem nunca estará maduro para aprender,
triste de quem não merecia, não merece namorar.

Pois namorar não é só juntar duas atrações
no velho estilo ou no moderno estilo,
com arrepios, murmúrios, silêncios,
caminhadas, jantares, gravações,
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80,
lancha, piscina, dia-dos-namorados,
foto colorida, filme adoidado,,
rápido motel onde os espelhos
não guardam beijo e alma de ninguém.

Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.

Namorar é além do beijo e da sintaxe,
não depende de estado ou condição.
Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.
A limitação terrestre, que os persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
"Desiste! Foge! Esquece!"
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo renovado.

Diniz Sena disse...

bacana seu blog. Parabéns.

Ivan Daniel disse...

Olá! Vim agradecer a visita e o comentário deixado. Aproveitei para passear pelas tuas postagens e gostei do que vi.
Um abraço.

Lidiane Fiss disse...

Olá... muito obrigada pela visita e pelo elogio.
=)
Eu também gostei muito do teu blog, e eu como uma legítima acadêmica de Letras, AMO Drummond... e esse texto dele é magnífico!

PARABÉNS... teu blog tá show!

ps.: Volte sempre... ^^

Welton Nogueira disse...

obrigado pela visita ao meu blog.
o seu tb é mto bom.
volte mais vezes.
bjos

Unknown disse...

Carlos Drummond de Andrade disse certa vez: escrever é arte de cortar palavras.

Beijos querida estarei sempre por aqui!

Luana Gabriela disse...

adorei o seu tbm
esterei aki sempre
aaa obrigada pelo elogio viuuUu

beeeijo

Lua Primavera disse...

"Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo,
e quem tem medo de ser afetivo. "

muito lindo!
amei aqui, vou vir mais vezes.
Obrigada pelo elogio lá no meu blog (:
beeijos*:

Anônimo disse...

Adorei o blog!!!
Muito boas suas escritas, mas vou comentar nesse aqui, pq combina muito com meu momento...
"Namorado não precisa ser o mais bonito,
mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente
treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa
ser parruda, decidida ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de
aflição."

Bom demais é se apaixonar, e é melhor ainda namorar, não é fácil mesmo, mas é bem mais gostoso que um caso qualquer!
E viva Drummond.

bjs

Kelly M. Carvalho disse...

.. brigada, linda..
seja sempre bem vinda no meu espaço..
bjoo..